quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Onde Estão Nossos Heróis: A Força Expedicionária Brasileira: Lembrados na Guerra, Esquecidos na Paz.

A história da Força Expedicionária Brasileira é um exemplo claro de como interesses políticos moldam a memória coletiva. Getúlio Vargas enviou homens à guerra para atender às demandas do cenário internacional, mas ao vê-los retornar como heróis da luta contra o fascismo, silenciou sua glória para não expor a contradição de seu regime.




Introdução

A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, por meio da Força Expedicionária Brasileira (FEB), representa um dos capítulos mais marcantes — e ao mesmo tempo mais ignorados — da nossa História. Entre 1944 e 1945, cerca de 25 mil soldados brasileiros combateram na Itália, enfrentando trincheiras, frio intenso e as forças nazifascistas. Contudo, ao retornarem ao país, esses homens que haviam escrito uma página heroica foram recebidos não como heróis nacionais, mas como figuras incômodas a um governo que preferia o silêncio.


Desenvolvimento

O envio da FEB à Europa foi uma decisão estratégica e também política de Getúlio Vargas. Pressionado pelo alinhamento internacional e pela necessidade de modernizar a imagem do Brasil, o ditador do Estado Novo acabou autorizando a participação brasileira ao lado dos Aliados. A ironia histórica é evidente: soldados brasileiros partiam para lutar contra o fascismo na Europa enquanto, em sua própria pátria, viviam sob uma ditadura.

No front, os pracinhas conquistaram vitórias notáveis, como a Tomada de Monte Castello, a Batalha de Montese e a rendição de milhares de soldados alemães. O símbolo da cobra fumando, nascido da descrença de que o Brasil algum dia iria à guerra, transformou-se em um emblema de coragem. A FEB mostrou ao mundo que o Brasil tinha homens capazes de enfrentar uma das maiores ameaças da humanidade no século XX.


O drama de Monte Castello

Um dos episódios mais simbólicos foi a batalha de Monte Castello, considerada praticamente impossível de vencer. Aliados já haviam tentado e fracassado: franceses, ingleses e até os próprios americanos. Os nazistas estavam no alto da montanha, com campo de visão total; quem subia tornava-se alvo fácil. Se fosse de dia, o inimigo via tudo. Se fosse à noite, o frio intenso podia matar antes mesmo das balas.

Foram quatro tentativas frustradas até que, na quinta, o comando brasileiro decidiu arriscar tudo. Era uma missão suicida. Entre tiros que vinham mais rápido que o som, soldados avançavam enquanto outros caíam ao lado, vítimas de disparos ou da hipotermia. Era subir e perder um companheiro, rastejar mais alguns metros e ver outro tombar.

Naquele cenário de horror, entre o medo e a incerteza, surgiu algo extraordinário. Soldados de diferentes partes do Brasil começaram a se reconhecer uns nos outros:

Quem é você? perguntou um.
Sou da Bahia.
E você?
Sou gaúcho.
Sou mineiro.
Sou do Pará.

Daquela conversa improvisada nasceu uma canção: “Você sabe de onde eu venho?”. Um dizia vir do morro Engenho, outro do cafezal, outro das montanhas alterosas, outro dos pampas ou do seringal. O refrão ecoava como oração: “Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra sem que eu volte pra lá.”

Entre tiros e frio cortante, os soldados cantavam sobre a terra natal, sobre noivas que os esperavam, sobre o desejo de voltar para casa. E assim, unidos não por ideologias, mas pelo amor à pátria e à vida simples que deixaram para trás, os pracinhas brasileiros avançaram. Antes do nascer do sol, queimaram a bandeira nazista e fincaram a do Brasil no alto de Monte Castello.

Foi ali que descobriram que guerras não se vencem apenas por estratégia ou política. Vencem-se pela determinação de homens comuns que não querem conquistar territórios, mas simplesmente voltar para casa.


Um contraste marcante

Enquanto no Brasil a memória da FEB foi silenciada, na Itália ela é celebrada até hoje. Todos os anos, desde o final da Segunda Guerra Mundial, crianças da cidade de Montese cantam, em português, o hino da Força Expedicionária Brasileira, em homenagem à libertação da região do domínio nazista. É um gesto simbólico e poderoso: em terras estrangeiras, os pracinhas recebem o reconhecimento que lhes foi negado em sua própria pátria.

A Itália dá aos soldados brasileiros o tratamento que o Brasil não lhes concedeu. É um povo que valoriza sua história, mesmo quando feita por outros. Esse contraste revela não apenas a grandeza do feito, mas também a profunda falha do Brasil em preservar e honrar sua memória militar.

Muitos monumentos que homenageiam a Força Expedicionária Brasileira foram erguidos no Brasil. O mais conhecido é o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro, conhecido como "Monumento dos Pracinhas". Ele abriga o Mausoléu da FEB e o Espaço Cultural com acervo sobre a participação do Brasil na guerra. Existem outros memoriais, como o Monumento Histórico da FEB em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e o Monumento ao Expedicionário em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. Mas monumentos são metal frio e pedras mudas. Sem memória viva, sem ensino nas escolas e sem orgulho nacional, tornam-se apenas obras visitadas em dado momento ou ao acaso. O que se ergueu em pedra e bronze, a história escrita tentou enterrar em silêncio.

A FEB não lutou por glória, mas pela vida simples que cada pracinha sonhava reencontrar. O silêncio histórico que se seguiu é uma segunda morte desses homens. Se a Itália os canta até hoje, o Brasil tem a obrigação de transformar bustos em memória viva, monumentos em lições de cidadania e silêncio em reconhecimento. Porque um país que esquece seus heróis está condenado a nunca tê-los de verdade.

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