A pandemia de Covid-19 revelou não apenas fragilidades no sistema de saúde, mas também abriu espaço para um dos maiores escândalos de corrupção dos últimos anos: a compra de respiradores fantasmas pelo Consórcio Nordeste. No centro das denúncias está o governo do Maranhão, então comandado por Flávio Dino (PSB), hoje ministro do Supremo Tribunal Federal.
O Consórcio Nordeste e a compra bilionária
Criado em 2019 para unir forças administrativas entre os
nove estados da região, o Consórcio Nordeste ficou responsável por centralizar
a compra de equipamentos hospitalares durante a pandemia. Em 2020, anunciou a
aquisição de 300 respiradores ao custo de R$ 48 milhões.
A nota de empenho assinada por Carlos Gabas,
ex-ministro e secretário-executivo do consórcio, registrava que os equipamentos
já haviam sido entregues em “perfeitas condições”. Contudo, nenhum respirador
foi recebido.
O papel de Flávio Dino
O Maranhão, sob o comando de Dino, destinou R$ 4,9
milhões para a compra de 30 aparelhos que jamais chegaram ao estado.
- O
então secretário de Saúde, Carlos Lula, ex-advogado eleitoral de
Dino, foi o responsável direto pelas transferências.
- Investigações
apontam que o governo maranhense pagou até R$ 200 mil por unidade,
quando o preço médio nacional era de R$ 87 mil.
- Relatórios
de auditoria indicaram superfaturamento e recomendaram Tomada de
Contas Especial no TCE-MA.
Apesar das evidências, o processo ficou emperrado após
tentativas da própria Secretaria de Saúde de afastar a auditora responsável e
impor sigilo sobre o caso.
As empresas e a fraude
O dinheiro foi parar em empresas sem experiência no setor:
- Hempcare:
com apenas dois funcionários, recebeu R$ 48,7 milhões.
- Biogeoenergy:
do empresário Paulo de Tarso, recebeu R$ 24 milhões para produzir
respiradores em uma fábrica inexistente em Araraquara (SP).
Paulo de Tarso, atualmente
em processo de delação premiada, admitiu ter recebido propina.
A blindagem institucional
Outro ponto polêmico foi a atuação do Ministério Público
do Maranhão, que arquivou representações apresentadas por deputados
estaduais da oposição. O procurador-geral Eduardo Nicolau seguiu parecer
do promotor Danilo José de Castro Ferreira, alegando ausência de crime ou
improbidade administrativa.
Essa blindagem contribuiu para a paralisia das apurações,
apesar de recomendações da CGU e de auditores do TCE-MA.
O legado do escândalo
O caso dos respiradores fantasmas ainda tramita em
instâncias como o STJ e na Polícia Federal, que já realizou
operações como a Cianose, cumprindo mandados de busca e apreensão em
diversos estados. No entanto, nenhum centavo dos R$ 4,9 milhões pagos pelo Maranhão
foi devolvido.
Enquanto Flávio Dino segue carreira política e judicial,
permanecem sem respostas as perguntas centrais:
- Quem
autorizou o pagamento antecipado sem garantias?
- Por
que o governo maranhense resistiu a dar transparência às operações?
- Quem
se beneficiou dos milhões desviados em plena crise sanitária?
Flávio Dino e a Farsa da “Reputação Ilibada” no STF
A chegada de Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal é o
retrato mais claro da falência do
critério constitucional de “reputação
ilibada”. O dispositivo, que deveria proteger a mais alta Corte do país de
ser transformada em balcão de negócios
políticos, virou apenas uma formalidade protocolar.
Se comparado a “reputação ilibada”, atender a critérios
mínimos formais de idade, currículo e aprovação do Senado deveria ser pura
semântica para quem ocupará uma cadeira vitalícia no tribunal responsável por
julgar presidentes, ministros, senadores e até interferir diretamente no
destino do país. A pergunta é simples: um nome envolvido em controvérsias
éticas, citado em delações e com histórico de alinhamento político descarado,
representa de fato “reputação ilibada”?
E o pior. O Senado, que deveria ser o guardião desse filtro
moral, age como mera extensão do Planalto. A sabatina, que deveria ser um crivo
rigoroso, virou teatro: longas falas, perguntas ensaiadas e uma aprovação já
combinada nos bastidores. Não há avaliação séria de caráter, não há escrutínio
ético — há apenas a ratificação de um acordo político. Mas, uma pergunta que
nunca foi feita: o que torna um grupo de
políticos aptos a sabatinar tecnicamente um candidato a ocupar um cargo na mais
alta Corte do país?
Em países como os EUA, um indicado ao equivalente da Suprema
Corte é submetido a uma devassa pública em sua vida profissional e pessoal. Em
nações europeias, conselhos mistos garantem que o processo não se resuma a
barganhas políticas. Já aqui no Brasil, basta a canetada de um presidente e a
complacência cúmplice de senadores (incompetentes) para colocar alguém no cargo
mais poderoso da Justiça.
Enquanto isso, a população é obrigada a assistir ao
espetáculo farsesco em que se confirma para o STF alguém cuja independência,
capacidade e conduta é, no mínimo, questionável.
Conclusão
O escândalo dos respiradores do Consórcio Nordeste escancara
como a pressa e a falta de fiscalização abriram espaço para um esquema de
corrupção bilionário. Flávio Dino, à frente do governo do Maranhão, não apenas
autorizou o repasse de recursos como também viu sua gestão ser acusada de omitir
informações, tentar impor sigilo e proteger aliados envolvidos.
O caso permanece como uma ferida aberta na memória da
pandemia e um desafio à impunidade de governantes que, em vez de priorizar
vidas, permitiram que interesses políticos e financeiros se sobrepusessem à
emergência nacional.
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