segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Quando 224 quilos de cocaína viram “pequena quantidade”: a distorção da Justiça

 

A Justiça de São Paulo acaba de protagonizar mais um episódio que coloca em xeque a credibilidade do sistema penal brasileiro. Um homem de 39 anos, preso em flagrante com 224 quilos de cocaína, avaliados em cerca de R$ 7 milhões, foi colocado em liberdade menos de 24 horas depois. A decisão, assinada pelo juiz Marcelo Nalesso Salmaso, da comarca de Sorocaba, baseou-se em três pilares: o acusado é réu primário, possui emprego formal e, pasmem, a quantidade de droga “não foi exacerbada”, sendo classificada como “pequena quantidade de tóxico”.

A perplexidade é inevitável. Estamos falando de mais de duas centenas de quilos de cocaína, uma quantidade que não cabe sequer no imaginário de qualquer consumidor individual. Não se trata de “uso pessoal”, tampouco de um “deslize juvenil”. Estamos diante de uma operação de grande porte, típica do crime organizado.

A justificativa de que o acusado tem “ocupação lícita” e, portanto, não integra organização criminosa, soa como uma ficção jurídica. Desde quando possuir um emprego formal ou ficha limpa garante imunidade a quem transporta drogas avaliadas em milhões de reais? A lógica aplicada pelo magistrado equivale a dizer que o diploma ou a carteira assinada funcionam como salvo-conduto para se envolver em crimes de altíssima gravidade.

O ponto mais controverso — e perigoso — da decisão é a classificação de 224 kg de cocaína como uma quantidade “não exacerbada”. Se isso é “pequeno”, o que seria grande? Uma tonelada? Dez toneladas? A decisão abre um precedente grave: o tráfico em larga escala pode ser relativizado com base em interpretações subjetivas, o que fragiliza todo o esforço policial e alimenta a sensação de impunidade.

O caso se soma a outros episódios em que traficantes flagrados com toneladas de entorpecentes conseguiram liberdade rapidamente. Basta lembrar o caminhoneiro solto após ser pego com 832 kg de cocaína, ou a famigerada soltura de André do Rap, líder do PCC, que nunca mais foi encontrado. O padrão se repete: decisões judiciais que parecem divorciadas da realidade concreta e que enfraquecem o combate ao narcotráfico.

Ao relativizar uma apreensão milionária, a Justiça transmite uma mensagem perigosa: o crime compensa, desde que você seja primário, tenha emprego e seja pego “só” com algumas centenas de quilos de cocaína. Para a sociedade, que assiste perplexa, resta a sensação de que o rigor da lei é seletivo: cai pesado sobre pequenos delitos, mas se mostra complacente diante de operações criminosas de altíssimo impacto.

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