quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Carbono Oculto: Quando o Crime Organizado se Torna Elite Financeira

 A Operação Carbono Oculto, deflagrada hoje, 28 agosto de 2025, é a maior ação já realizada contra o crime organizado no Brasil. O que começou como investigação sobre sonegação e adulteração de combustíveis revelou algo muito maior: o PCC deixou de ser apenas um cartel criminal para se tornar um ator do mercado financeiro e do setor de bioenergia, infiltrado na Faria Lima — o coração do capitalismo brasileiro.


O Esquema Bilionário

Entre 2020 e 2024, a organização criminosa movimentou R$ 52 bilhões por meio de uma rede de postos de combustíveis, fintechs e fundos de investimento. O prejuízo fiscal direto ultrapassa R$ 8,6 bilhões.

Como funcionava:

  • ·         Fundos de investimento: cerca de 40 fundos multimercado e imobiliários com patrimônio superior a R$ 30 bilhões foram usados para ocultar ativos. Muitos eram fundos fechados, com apenas um cotista, caracterizando blindagem patrimonial disfarçada de investimento coletivo.
  • ·         Fintechs: as empresas BK Bank e Bankrow funcionavam como “bancos paralelos” do PCC. Entre 2022 e 2023, receberam 10,9 mil depósitos em espécie (R$ 61 milhões), prática atípica para o setor. Utilizavam contas-bolsão, misturando o dinheiro de todos os clientes — um mecanismo perfeito de opacidade contra fiscalização.
  • ·         Ativos reais: com os recursos, o grupo comprou um terminal portuário, usinas de álcool, 1.600 caminhões, fazendas e imóveis de luxo. A facção se tornou, na prática, um grupo empresarial formal do setor de bioenergia.


As Gestoras na Mira

Entre as investigadas estão algumas das maiores casas do mercado financeiro:

  • ·         Reag Investimentos – que se apresenta como a maior gestora independente do país, com R$ 299 bilhões sob gestão e presença na B3. A empresa admitiu ser alvo da operação.
  • ·         Outras casas aparecem na lista: Trustee, Banvox, Buriti, Libertas, Altinvest, Ello e Banco Genial. Todas ligadas a fundos usados para movimentar o patrimônio de R$ 30 bilhões sob suspeita de servir ao PCC.

A narrativa de que essas instituições “foram usadas” soa frágil. O porte, a sofisticação e a escala do esquema indicam que houve, no mínimo, conivência ativa ou omissão dolosa.


A Falha Sistêmica da Regulação

Se há algo que choca tanto quanto a dimensão da fraude é a incapacidade dos órgãos reguladores em detectá-la a tempo:

  • ·         Banco Central (Bacen): não percebeu que fintechs movimentavam dezenas de bilhões de reais em operações atípicas.
  • ·         CVM e B3: permitiram que fundos de um único cotista com bilhões em patrimônio circulassem livremente, sem rastreabilidade adequada.
  • ·         COAF: deveria identificar movimentações incomuns, mas deixou passar milhares de depósitos em espécie.

A insistência na narrativa oficial de que instituições financeiras “foram enganadas” acaba por proteger não apenas os gestores, mas também os reguladores, criando a sensação de blindagem institucional.


Do Crime à Geopolítica

O caso não se limita às fronteiras brasileiras. Ele já tem repercussão internacional em duas frentes:


1.       FBI e DOJ (EUA)

1.1.    Qualquer esquema que envolva movimentação em dólar ou uso de bancos corresponsais cai na jurisdição americana.

1.2.    O DOJ já atuou em casos semelhantes (ex.: Odebrecht/Braskem) e pode abrir processo contra indivíduos e empresas brasileiras.

1.3.    A imagem que se constrói: o Brasil abriga um sistema financeiro vulnerável, capturado por organizações criminosas.

 

2.       USTR / Seção 301

2.1.    O PCC investiu pesado em etanol e bioenergia. Isso atinge diretamente a relação comercial Brasil–EUA, já que o etanol é um setor estratégico para ambos.

2.2.    Se Washington concluir que parte da indústria brasileira de bioenergia é fruto de fraude e lavagem, pode acionar a Seção 301 para impor sanções comerciais sob alegação de concorrência desleal.

2.3.    O impacto seria devastador: o Brasil perderia credibilidade como fornecedor e como destino de investimentos.


A Política e a Narrativa Oficial

Enquanto isso, em Brasília, o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski tenta vender a ideia de uma “PEC da Segurança” como resposta. Mas a percepção em Washington e em capitais europeias é outra:

  • ·         O problema não é falta de lei, mas sim falha de fiscalização e conivência institucional.
  • ·         A grande mídia brasileira, por sua vez, insiste em retratar fundos e gestoras como “vítimas usadas”, diluindo a responsabilidade de uma elite financeira que participou ativamente do esquema.


O Novo Rostro do Crime Organizado

O que a Operação Carbono Oculto mostrou é que o crime organizado não é mais marginal. Ele está:

  • ·         nos fundos de investimento,
  • ·         nas fintechs licenciadas pelo Bacen,
  • ·         na bolsa de valores,
  • ·         e no setor de bioenergia, estratégico para a economia global.

O PCC infiltrou a Faria Lima.

E essa infiltração coloca em xeque não apenas a segurança pública, mas a credibilidade do sistema financeiro brasileiro.


Conclusão

A Operação Carbono Oculto é um divisor de águas. Ela não expõe apenas criminosos de rua, mas banqueiros, gestores e reguladores que permitiram que o crime se transformasse em poder econômico formal.

Se o Brasil tentar abafar, os EUA e a União Europeia entrarão no caso. E não será apenas para prender criminosos: será para apontar falhas sistêmicas no modelo de supervisão e impor custos geopolíticos e comerciais.


Não se trata mais de uma investigação criminal. Trata-se de uma disputa pelo controle do sistema financeiro e da narrativa internacional.

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