quarta-feira, 27 de agosto de 2025

A Ilusão do Real Forte: Quando o Câmbio Maquia a Realidade Econômica

Por que o dólar se mantém estável mesmo diante do agravamento fiscal, político e institucional no Brasil?

Nos últimos anos, o dólar teve um comportamento marcado por fortes oscilações. Em determinados momentos, superou os R$6,00 — impulsionado por crises políticas, insegurança fiscal e instabilidade internacional. Mais recentemente, tem se mantido em uma faixa aparentemente controlada, entre R$5,20 e R$5,50, dando a impressão de uma estabilização econômica. Mas essa aparente estabilidade cambial causa estranheza, considerando o agravamento da situação interna do país: aumento de impostos, êxodo de empresários, queda da confiança no governo, crescimento do risco fiscal e insegurança jurídica.

Essa faixa de oscilação do dólar não se justifica por fundamentos sólidos. O que sustenta esse “equilíbrio” cambial é, na verdade, um conjunto de fatores artificiais e perigosamente frágeis.

A valorização relativa do real hoje se sustenta sobre três bases principais:


  1. Taxa Selic elevada, atraindo capital estrangeiro especulativo;
  2. Movimentos especulativos de curto prazo, desconectados da economia real;
  3. Intervenções pontuais do governo, via compra de dólares pelo Banco Central, que funcionam como maquiagem cambial para conter uma valorização do real que incomoda politicamente e beneficia o discurso econômico.

Essas ações produzem uma sensação de controle, mas apenas retardam os ajustes necessários e mascaram a fragilidade estrutural da economia brasileira.

A Selic alta e a maquiagem cambial podem dar fôlego ao real no curto prazo, mas:

  • Freiam o crescimento econômico;
  • Prejudica a exportação.
  • Encarece o crédito e desestimula o consumo;
  • Desestimula a atividade produtiva;
  • Aumentam o custo da dívida pública;
  • Geram distorções no câmbio;
  • Dependem de capital volátil que sai do país ao menor sinal de instabilidade.

A manutenção do dólar em patamares “comportados” não indica saúde econômica — mas sim um esforço artificial para evitar o colapso da percepção de estabilidade.

A ausência de previsibilidade nas decisões judiciais e políticas impede que investidores estrangeiros — e até os nacionais — se comprometam com o país a longo prazo.

A revisão constante de regras, a insegurança em contratos e o ativismo judicial transformam o Brasil em um território hostil ao investimento produtivo, ainda que momentaneamente interessante para quem só deseja especular.

A insegurança pública também compromete o ambiente de negócios. A presença de facções criminosas, o risco à integridade física e o alto custo logístico fazem com que empresas evitem ou abandonem regiões inteiras.

Isso não apenas repele investimentos, como contribui para o enfraquecimento social e econômico das cidades e estados afetados.

Nesse cenário de caos institucional, temos ainda uma estrutura trabalhista brasileira que ainda penaliza quem gera emprego formal. Mesmo após a reforma de 2017, os encargos elevados, a burocracia sufocante e o ativismo na Justiça do Trabalho tornam a contratação formal um risco permanente.

O resultado é um país com baixa produtividade, alta informalidade e desestímulo à geração de empregos reais.

O Brasil atrai o capital que especula, mas expulsa o que constrói.

Se a compra de dólares fosse feita como parte de uma estratégia maior, com fundamentos macroeconômicos bem resolvidos, ela seria apenas um ajuste tático natural e até benéfico, por exemplo:

Cenário positivo (hipotético):

  • ·         Inflação sob controle;
  • ·         Crescimento econômico consistente;
  • ·         Estabilidade política e institucional;
  • ·         Segurança jurídica para o investidor;
  • ·         Regras claras e confiáveis no mercado de capitais e trabalho;
  • ·         Abertura comercial e integração internacional;

Nesse caso, a compra de dólares:

  • ·         Seria apenas um ajuste fino para suavizar o câmbio;
  • ·         Não afetaria a confiança dos investidores;
  • ·         Não causaria fuga de capital;
  • ·         E manteria a Selic dentro de um patamar saudável e realista.

Mas não é o caso atual do Brasil:

Hoje o país enfrenta um cenário desfavorável e frágil, com:

  • ·         Crise institucional entre os poderes;
  • ·         Insegurança jurídica (decisões imprevisíveis e instáveis);
  • ·         Crescente intervencionismo estatal;
  • ·         Desincentivo ao investimento privado;
  • ·         Carga tributária pesada e instável;
  • ·         Déficit fiscal elevado;
  • ·         E sinais de fuga de capital já perceptíveis.

Nesse contexto, a estratégia de manter Selic alta e controlar câmbio por meio de compra de dólares:

·         Não é sustentável, porque não há base sólida que sustente a confiança externa;

·         E funciona apenas como um adesivo sobre uma hemorragia econômica.

A atual estabilidade do câmbio é uma fotografia maquiada de uma economia fragilizada. Sustentar o real com juros altos, fluxos especulativos e intervenções pontuais é adiar o colapso — não evitá-lo.

Sem reformas profundas — fiscal, trabalhista, tributária, institucional e de segurança pública — o Brasil continuará girando em ciclos de euforia artificial e colapsos previsíveis.

O real não é forte. Está amarrado. E isso tem prazo de validade.

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