O debate sobre a crise da educação moderna ultrapassa a mera constatação da queda de qualidade acadêmica. Ele envolve a denúncia de um processo planejado de transformação cultural no qual a escola deixa de ser espaço de transmissão de saberes para tornar-se instrumento de reengenharia social. Pascal Bernardin, em Maquiavel Pedagogo, alerta para a manipulação psicológica promovida por organismos internacionais e aplicada nas escolas por meio de pedagogias “inovadoras”. Quando cruzamos essa análise com a teoria gramscista da hegemonia cultural, o panorama revela uma estratégia coerente de ocupação gradual das consciências pela via educacional.
Bernardin destaca que a escola contemporânea passou a priorizar valores, atitudes e comportamentos em detrimento da formação intelectual. Técnicas psicológicas — como a dissonância cognitiva, a dramatização e o conformismo — são aplicadas como ferramentas pedagógicas, mas, na prática, funcionam como mecanismos de condicionamento. A consequência é o esvaziamento do ensino formal e o fortalecimento de uma agenda ética e cultural definida em instâncias supranacionais.
Esse processo não é casual: ele visa minar a autonomia da família, dissolver tradições e moldar consciências juvenis para a aceitação de uma nova ordem social.
Karl Marx via a revolução como ruptura violenta, marcada pela tomada de poder e pela ditadura do proletariado. Antonio Gramsci, ao contrário, percebeu que tal via era insustentável em sociedades ocidentais estruturadas. Em seus Cadernos do Cárcere, defendeu que a conquista do poder deveria ser gradual, cultural e institucional.
Para Gramsci, quem controla a educação, a cultura e os meios de difusão de ideias conquista a hegemonia: uma dominação menos visível que a militar, mas mais eficaz porque molda mentalidades de dentro.
A leitura de Maquiavel Pedagogo mostra como a estratégia gramscista encontrou campo fértil no sistema educacional:
Redefinição do papel da escola – Bernardin denuncia a substituição do ensino intelectual pelo “ensino não cognitivo” e pela aprendizagem social. Essa redefinição ecoa Gramsci, para quem a escola deveria ser espaço de formação ideológica e não neutra.
Tomada das universidades – Gramsci defendia que intelectuais orgânicos deveriam ocupar os espaços acadêmicos para difundir a visão revolucionária. Bernardin confirma que os Institutos de Formação de Professores se tornaram centros de difusão de psicopedagogia voltada a inculcar valores preestabelecidos.
Controle internacional da pedagogia – O autor expõe o papel da Unesco e da OCDE na difusão de modelos pedagógicos uniformizados. Tal ingerência global reforça a tese gramscista de que a hegemonia não se constrói apenas dentro das fronteiras nacionais, mas por meio de blocos históricos transnacionais.
Infiltração gradual – Enquanto Marx previa revolução abrupta, Bernardin mostra a eficácia da infiltração lenta: ciclos escolares reformulados, currículos adaptados, avaliações voltadas a atitudes. Tudo sem ruptura aparente, mas com efeitos profundos — o mesmo gradualismo defendido por Gramsci.
Aqui se encontra a chave do processo: Gramsci não substitui Marx, mas o prepara.
A hegemonia cultural conquistada pela infiltração educacional e pela formação de intelectuais orgânicos cria uma sociedade intelectualmente condicionada.
As novas gerações, moldadas desde cedo, assimilam valores e narrativas que fragilizam resistências às ideias revolucionárias.
Uma vez que a hegemonia esteja consolidada, o terreno está pronto para a etapa marxista: a ruptura violenta e a instauração de uma ditadura do proletariado passam a parecer naturais, legítimas ou até desejáveis.
Dessa forma, a pedagogia gramscista atua como catalisador da teoria marxista: sem precisar impor pela força no início, prepara subjetivamente a população para aceitar a violência revolucionária quando esta se apresentar como desfecho inevitável.
O cruzamento das ideias revela que a atual crise educacional não é mero acidente, mas resultado de um plano estratégico de hegemonia cultural. A perda de densidade acadêmica e a ênfase em competências socioemocionais não significam apenas modernização pedagógica: representam a transformação da escola em aparelho ideológico, onde se internalizam valores úteis a projetos de poder.
Assim, a revolução cultural gramscista encontra sua aplicação mais evidente na sala de aula, legitimada pelo discurso de inovação pedagógica que Bernardin desmascara.
O diálogo entre Pascal Bernardin e Antonio Gramsci evidencia que a tomada do sistema educacional é a peça central da revolução cultural contemporânea. Se Marx via a revolução pela força, Gramsci percebeu que o caminho seguro era moldar consciências através da escola. Bernardin demonstra como essa estratégia foi operacionalizada por meio da psicopedagogia e das reformas globais da educação.
No entanto, a infiltração gradual não exclui a ruptura marxista: ao contrário, prepara-a. Uma vez moldadas as consciências, a sociedade encontra-se pronta para aceitar — e até clamar por — a revolução.
A crise
atual da educação, portanto, não é apenas pedagógica, mas civilizacional:
revela a disputa pelo controle da mente e da cultura. Reconhecer esse processo
é o primeiro passo para resgatar a escola como espaço de conhecimento,
liberdade intelectual e formação crítica — e não de doutrinação.
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