Na sociedade contemporânea, a linguagem deixou de ser apenas um instrumento de comunicação para se tornar um poderoso mecanismo de controle e manipulação. A distorção, a manipulação e o ajuste linguístico funcionam como técnicas — muitas vezes aplicadas até de forma inconsciente — que remodelam a realidade ou a substituem por narrativas moldadas segundo a visão de quem as propaga.
George Orwell já alertava, em 1984, para o papel da novilíngua: um idioma projetado para limitar o pensamento e comprimir a realidade em moldes preestabelecidos. George Lakoff, em sua teoria do framing, reforça essa ideia ao demonstrar como a linguagem ativa frames mentais que condicionam a interpretação do mundo. O perigo é que, nesse processo, narrativas corrompidas se espalham como um vírus memético — infiltrando-se no imaginário coletivo e moldando percepções de maneira quase invisível.
O que agrava esse quadro é o paradoxo social que se instala: exige-se falsa polidez para que verdades sejam aceitas, mesmo quando precisam ser ditas em termos duros ou agressivos. Enquanto isso, os maiores absurdos encontram acolhida quando embalados em linguagem sofisticada. A forma se sobrepõe ao conteúdo, criando um filtro invertido. Verdades cruas são rotuladas de “incivilizadas” ou “ofensivas” pela ausência de ornamentos retóricos; já mentiras requintadas ganham o prestígio de sabedoria profunda.
Esse fenômeno não é novo. Na Grécia Antiga, os sofistas já exploravam a eloquência como ferramenta para vender ilusões, confundindo o valor da retórica com o valor da verdade. Hoje, vemos reflexos desse mesmo jogo nos debates públicos: um político que denuncia a corrupção de forma incisiva corre o risco de ser cancelado pelo “tom agressivo”, enquanto outro, ao defender políticas lesivas com eufemismos técnicos é celebrado como sofisticado.
O resultado é corrosivo: o debate público se degrada, a substância cede lugar à performance e a busca pela verdade é substituída pelo culto ao estilo. O filósofo Marshall McLuhan já dizia que “o meio é a mensagem”; mas, neste contexto, o meio não apenas carrega a mensagem, ele a disfarça. O polido prevalece sobre o verdadeiro, e a gramática elevada serve como cortina para ocultar incoerências, mentiras e manipulações.
Se essa dinâmica não for questionada, arriscamo-nos a viver em uma cultura de superficialidade, onde não importa o que se diz, mas apenas como se diz. Uma sociedade assim não caminha para a maturidade democrática, mas para o espetáculo — um palco em que o verniz da linguagem importa mais que o conteúdo da realidade.
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