terça-feira, 19 de agosto de 2025

Quando a Justiça se Arroga Poderes que Não Possui: O Erro de Flávio Dino diante da Lei Magnitsky

 A recente decisão do ministro Flávio Dino, ao condicionar operações financeiras no Brasil à autorização do STF sempre que motivadas por determinações de Estados estrangeiros, revela um grave equívoco de compreensão sobre os limites da jurisdição nacional e sobre a natureza de legislações internacionais, em especial a Lei Magnitsky.

Para começo de conversa, é preciso ser claro: não existe aplicação da Lei Magnitsky dentro do Brasil. Trata-se de uma legislação norte-americana que visa punir estrangeiros envolvidos em corrupção ou graves violações de direitos humanos, bloqueando bens e ativos sob jurisdição dos Estados Unidos, além de restringir a entrada desses indivíduos no país. Mais ainda: a lei estende suas penalidades a quem ajuda, financia ou favorece os sancionados, atingindo negócios e acordos que mantenham algum vínculo com os EUA.

Portanto, não há qualquer ação direta dessa lei sobre o território brasileiro ou sobre o sistema financeiro nacional. O que há, sim, é a força do mercado internacional: bancos, empresas e governos de todo o mundo respeitam essas sanções porque ignorá-las significaria o isolamento imediato do sistema financeiro global, majoritariamente intermediado pelo dólar e pelo sistema SWIFT.

Nesse cenário, a decisão de Flávio Dino incorre em três erros graves:

1. Confusão de jurisdição.

Ao pretender condicionar ao STF operações financeiras que eventualmente derivem de sanções internacionais, o ministro age como se pudesse “anular” ou “restringir” efeitos de uma lei estrangeira em território soberano dos EUA. Isso é juridicamente impossível e diplomaticamente irresponsável.

2. Insegurança jurídica desnecessária.

O Brasil não é alvo direto da Lei Magnitsky. Logo, não cabe ao STF regular ou impedir algo que não se aplica em nosso território. Criar barreiras internas para operações financeiras apenas gera ruído, coloca bancos e empresas em conflito de obrigações e transmite a imagem de que o país está tentando blindar sancionados.

3. Risco de conivência internacional.

A Lei Magnitsky pune não apenas os sancionados, mas também quem os auxilia ou favorece. Ao impor obstáculos ao cumprimento espontâneo das sanções por instituições brasileiras, Dino dá ao mundo o recado de que o Brasil estaria disposto a servir de refúgio para violadores de direitos humanos ou corruptos. Isso pode levar a sanções secundárias contra bancos e empresas nacionais, afetando a economia e a credibilidade do país.

Se o Brasil, por força dessa decisão, de fato impedir que instituições financeiras cumpram sanções internacionais, as consequências seriam imediatas e graves:

  • ·         Sanções secundárias contra bancos brasileiros. Instituições financeiras poderiam ser excluídas do sistema SWIFT, congeladas em transações com dólares ou até banidas de operar com bancos dos EUA e aliados.
  • ·         Isolamento do comércio internacional. Exportadores e importadores brasileiros teriam contratos recusados por parceiros temendo retaliações. Isso comprometeria cadeias produtivas e encareceria insumos estratégicos.
  • ·         Aumento do custo Brasil. Investidores passariam a classificar o país como jurisdição de alto risco regulatório, exigindo juros mais altos e reduzindo investimentos.
  • ·         Fuga de capitais e desvalorização do real. O risco de sanções levaria investidores estrangeiros a retirar recursos do país, pressionando o câmbio, elevando o dólar e impactando a inflação.
  • ·         Reputação internacional abalada. O Brasil poderia ser visto como porto seguro de corruptos e violadores de direitos humanos, dificultando negociações multilaterais e prejudicando acordos comerciais estratégicos.

Em termos práticos, seria colocar o Brasil no mesmo patamar de países como Irã, Rússia ou Venezuela, que sofrem forte isolamento e restrições comerciais por enfrentarem sanções internacionais.

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